Dois institutos completamente diferentes e que, muitas vezes, são visualizados em conjunto são a Responsabilidade Civil e a Responsabilidade Criminal. É possível que ambas, apesar de verificáveis pelo atendimento a requisitos díspares, sejam fruto ou desdobramento de um mesmo ato.
Nesses casos (em que há suposta configuração de responsabilidade civil e penal), pode haver concomitância de uma Ação Penal (pública ou privada, a depender do delito) e de uma Ação Cível de Reparação de Danos, que obviamente correrão em juízos diferentes, de acordo com as normas dos Códigos de Processo Penal e Civil.
Por essa e por outras razões, é comum ouvirmos dizer que são ações completamente independentes, mas não há de ser assim.
Por grande parte das Ações Penais terem natureza pública, a maioria dos procedimentos penais terão como parte autora o Ministério Público e não a vítima, que será provavelmente autora do procedimento cível. São procedimentos diferentes, com partes muitas vezes diferentes, com instrução diferente e normas processuais diferentes. São, contudo, essencialmente independentes? Se no procedimento cível há absolvição, deve haver no penal? E o contrário?
Felizmente, o processo penal [ainda] tem maior preocupação com os princípios institutivos do processo, como o contraditório e a ampla defesa, permitindo um maior espaço para a produção de provas.
Muito por conta disso, é comum que o procedimento penal demore anos mais que o cível até o seu trânsito em julgado e, não raro, ocorrem absolvições na esfera penal muito tempo após a condenação cível ter sido preclusa e já ter inclusive produzido efeitos. Seria hipótese de cabimento de ação rescisória? Depende.
Vejamos um julgado do Tribunal de Justiça de Goiás que julgou procedente a ação rescisória com base na existência de prova nova, qual seja, a sentença absolutória. (AÇÃO RESCISÓRIA Nº 254325-27.2014.8.09.0000)
EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE PENSÃO VITALÍCIA E DANOS MORAIS EM RAZÃO DE HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA SUPERVENIENTE. ART. 386, IV, DO CPP. OFENSA À COISA JULGADA E ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA POSTERIOR ACEITA COMO DOCUMENTO NOVO/HÁBIL A ENSEJAR O PROVIMENTO DA RESCISÓRIA. EFEITOS. I- A ação rescisória fundada no inciso IV do artigo 485 do CPC, exige a anterioridade da coisa julgada supostamente ofendida por julgado ulterior. Assim, mostra-se impossível o acolhimento do pleito rescindente sob essa perspectiva se, no caso em apreço, o acórdão que teria sido maculado pela coisa julgada é posterior ao julgado rescindendo. II- Para o sucesso da rescisória lastreada no inciso IX do art. 485 do CPC, tem-se como indispensável que o julgamento seja o resultado de um erro de fato emergente dos documentos da própria causa, sem necessidade de recurso a nenhum outro elemento, bem assim que sobre ele não tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial. Nenhum desses pressupostos encontram-se presentes na hipótese em destaque, pois o reconhecimento do apontado erro depende da análise das provas e conclusões obtidas na esfera penal, além de que sobre a questão ter havido pronunciamento judicial. III- Segundo a exegese do art. 485, VII, do CPC, novo é o documento já constituído, cuja existência o autor da ação rescisória ignorava ou do qual não pôde fazer uso no curso do processo de que resultou o julgado rescindendo, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável. IV- Contudo, esse entendimento é relativizado em face da sentença penal absolutória superveniente ao julgamento cível, já que era ela esperada porquanto decorrente de ação ajuizada anteriormente, pendente de pronunciamento judicial. Equipara-se a documento novo a sentença posterior que altera a situação jurídica. Precedente do STJ. V- Apesar de as responsabilidades civil e criminal serem independentes, se é proferida sentença absolutória baseada na prova de que o réu não concorreu para a infração penal, fica trancada a possibilidade de seu questionamento na esfera cível, ipso facto, fica obstada a responsabilização civil em relação à pessoa inocentada, pois, em relação a ela há o reconhecimento da inexistência do fato, o que impede a rediscussão do tema na seara cível. Inteligência do art. 935 do CC. VI- Afastada a possibilidade de ter sido o autor desta rescisória o autor da infração penal que lhe fora imputada, resta imperativo, no juízo rescisório, o provimento do recurso de apelação de sua autoria, declarando-se a improcedência dos pleitos indenizatórios contra ele formulados. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA PROCEDENTE. ACÓRDÃO DESCONSTITUÍDO. APELAÇÃO PROVIDA. PEDIDOS INICIAIS IMPROCEDENTES.
Não se pode esperar que a prescrição penal, ainda que exclua a punibilidade e por consequência o crime, possa ser utilizada como argumento para a Ação Rescisória da sentença cível, ou ainda que a absolvição por ausência de provas cumpra esse papel. Isso porque, como já dito, são procedimentos diferentes com instrução diferentes. Contudo, a absolvição levando em consideração análise probatória que conclui pela absolvição pela inexistência de materialidade ou de autoria ou que, de qualquer forma, possa comprovar a ausência dos pressupostos da responsabilidade civil (Ato ilícito, dano e nexo de causalidade), é perfeitamente capaz de ensejar a Ação Rescisória, como bem entendeu o Egrégio TJGO.
Se, no procedimento criminal, as provas forem suficientes para comprovar causas excludentes de responsabilidade civil, a sentença, desde que posterior à sentença cível, pode ser considerada documento novo hábil ao ajuizamento da Rescisória. São causas excludentes da responsabilidade civil:
- Estado de necessidade;
- Legítima defesa;
- Caso fortuito e força maior;
- Exercício regular de direito
- Estrito cumprimento do dever legal;
- Culpa exclusiva da vítima;
- Fato de terceiro.
Da mesma forma, se a sentença criminal advier enquanto ainda não julgado o procedimento cível, a ele pode ser acostada, devendo ser submetida ao contraditório naqueles autos.
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