O novo velho entendimento do STJ e mais um pretexto para não fundamentação de decisões.
Desde a promulgação da Constituição da República de 1988, o texto nela contido enche o povo de esperanças muitas vezes vazias. O Art. 5°, mais conhecido pela população por conta de suas incansáveis promessas e garantias, cumpre essa função com maestria. Mesmo havendo expressa previsão de aplicabilidade imediata das normas definidoras de Direitos e Garantias Fundamentais, no Art. 5° §1° da CR88 , os mandamentos constitucionais muitas vezes não passam de utopia.
Um exemplo claro disso é a previsão Constitucional de obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, constante do Art. 93, IX . Desde muito tempo, juízes sob o argumento de conferir celeridade aos processos, exercem jurisdição simples e sem muito respeito ao Contraditório e à Ampla defesa. Fazem da atividade judicante algo que dela não se pode esperar. Motivam as decisões, por não serem capazes (ou não quererem) fundamentá-las.
A distinção básica entre a motivação de uma decisão e sua fundamentação é que, enquanto ao motivar o juiz declina os motivos que o levaram àquela conclusão, a fundamentação é essencialmente mais completa. O juiz que fundamenta sua decisão explica quais as bases sólidas permitiram a construção daquele julgado. Por isso se entende de que o magistrado passa por todos os pontos e argumentos trazidos pelas partes, encontra neles virtudes e fraquezas, a fim de encontrar qual desses argumentos reúne as condições de solidez e coerência necessárias que impedem que decisão diversa seja tomada. Ao ler a motivação de uma decisão, porém, não é possível eliminar as possibilidades de decisões diversas, pelo simples motivo de que ali só estão sendo explicados os motivos, as virtudes de determinado argumento, e não uma análise crítica que seja capaz de minar a solidez daquele argumento.
Isso ocorre unicamente pela razão de que o processo de tomada de decisão é diferente. Ao motivar, o judicante primeiro toma sua decisão, depois busca explica-la, contando as virtudes de determinado argumento e as fraquezas de argumentos que não coadunam-se com a decisão tomada. A fundamentação é diferente, essa traz um grau de riqueza imensamente superior. O magistrado deve analisar todos os argumentos trazidos pelas partes, encontrar neles razões e vícios, até que seja possível tomar a decisão, única possível na situação, já que todos os argumentos foram analisados e sopesados, sendo o mais sólido determinante para a decisão.
É bela a teoria constitucional e virtuosa a tipificação da conduta de fundamentação das decisões judiciais, mas como não é possível esquecer as circunstâncias, no Brasil também não passa de utopia.
Qualquer operador do Direito já se deparou com decisões contendo trecho semelhante a: “Não precisa o julgador analisar todos os pontos e argumentos trazidos pelas partes, mas apenas aqueles necessários à formação de seu convencimento”. Tal tipo de decisão é o recibo completo do débito em relação à garantia constitucional tratada acima.
O Legislativo ainda tentou intervir, quando da edição do Novo Código de Processo Civil, que em seu Art. 489 § 1° inciso IV determina expressamente ao juiz enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar sua decisão. Mais um texto de lei para ser guardado na gaveta, restringindo sua aplicação apenas àquilo que conveniente aos julgadores.
Exagero ou drama seria essa afirmação, não fosse a confirmação pelo Superior Tribunal de Justiça de que a conduta é exatamente dessa maneira:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA. 1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço. 2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.
EDcl no MS 21315 / DF EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA 2014/0257056-9
Ora, se é o próprio Judiciário quem define o que seria ou não capaz de infirmar suas conclusões, já que ignorou completamente a expressão “em tese”, esse jamais admitirá ou reconhecerá que qualquer argumento levantado pela parte fosse capaz de mudar-lhe as convicções. Em resumo, o juízo é obrigado a manifestar-se sobre todos argumentos, já que todos são, em tese, capazes de infirmar sua decisão. Na prática, os define como irrelevantes e mantem-se na abstinência de fundamentar seus provimentos.
Tal entendimento vem manter e confirmar o péssimo jargão existente em todas as instâncias dos tribunais brasileiros que fere de morte os princípios do Contraditório e Ampla Defesa, já que mesmo diante das previsões constitucionais de direito de ação e das garantias de chances de influência e defesa, o provedor da tutela jurisdicional, aquele quem deveria ser chamado para evitar lesões a tais direitos, se exime da obrigação de analisar todos os argumentos trazidos pela parte.
Nada há que possa ser feito, quando aquele que deve interpretar e aplicar a norma, a insere nos moldes da sua conveniência, ainda que isso custe caro aos jurisdicionados, que pagarão com a mitigação de seus direitos e garantias.